A
Portaria n.º 82/2014 estabelece categoria para os hospitais do Serviço Nacional
de Saúde em grupos de I a IV, hierarquizando as unidades de acordo
com a natureza das suas responsabilidades e valências.
Um
instrumento apresentado sob o manto da ‘racionalidade’ para
servir uma nebulosa ‘sustentabilidade’ mas que não ultrapassa um
vulgar cariz voluntarista e que tenta encobrir os verdadeiros
propósitos.
O
MS aparece apostado a tentar iludir as intenções que começam
(ameaçam) a aflorar à margem do referido diploma. No caso da
cirurgia cardiotorácica (CCT) o despacho introduz inquietantes
perturbações na satisfação, qualidade e prontidão da resposta
assistencial do SNS numa área de cuidados críticos e altamente
diferenciada que tem sido negligenciada (a ‘cavalo’ do
desinvestimento público na saúde) e, a par disso, objecto de
perversõespolítico-institucionais com diversas origens que escondem
múltiplos interesses (entre eles os eleitorais).
O
Hospital de Santa Cruz é uma unidade que integra o Centro Hospitalar
Lisboa Ocidental EPE que foi, nos patamares hierarquizantes da
referida portaria, colocado no grupo II o que traduz a intenção de
esvaziar este CH das valências de cirurgia cardiotorácica,
cardiologia pediátrica, cirurgia pediátrica, farmacologia clínica
e genética médica.
Ora,
as razões aduzidas para o ‘rationale’ da suposta reforma
hospitalar dificilmente encaixam nesta unidade de saúde. Trata-se de
um hospital de referência na área da CCT (e noutras valências)
cuja ‘desactivação’ afectará drasticamente a oferta de
cuidados cirúrgicos, nesta área específica, quer ao nível
nacional e muito especialmente em relação ao Sul do País, pelo que
a ‘abrangência populacional’, tida como o critério major
definido na citada portaria, dificilmente se encaixa no objectivo
‘reestruturador’.
Na
realidade, esta ‘solução’ (pasmada na portaria) que envolve
dois Centros Hospitalares (Carnaxide e Gaia) representa uma grave
amputação (cerca de 50%) na oferta de serviços de CCT nos
hospitais públicos portugueses.
Claro
que esta ‘fumaça’ que inclui medidas anunciadas e publicadas em
DR e no mesmo dia ‘desvalorizadas’ pelos órgãos de decisão
governamentais, pode esconder (abrir portas para) outros cenários.
O
anunciado fecho da CCT do Hospital de Santa Cruz deverá corresponder
a um ‘surto de contratualizações’ (outsourcing), por parte do
Estado, para a realização deste tipo de cirurgias sem que se
conheçam custos relativamente a mais esta enviesada transferência
de prestação de cuidados com um sentido único: do sector público
para o privado. Não é propriamente uma transferência será, antes,
uma trânsfuga.
Por
exemplo, o Hospital da Cruz Vermelha (HCV) que está empenhado num
auspicioso ‘processo de expansão’ nesta área (pouco límpido,
mas ‘determinado’).
O protocolo estabelecido entre o Estado e o HCV, em 2012, no valor de
7,6 milhões de euros, para prestações de serviços na área da
cirurgia cardiotorácica (nomeadamente na vertente pediátrica também
‘atingida’ pela portaria 82/2014) baseado no facto de não
existir capacidade instalada suficiente é mais do que um simples
‘desperdício de dinheiros públicos’ como foi referido na época
para se transformar num escândalo de compadrio político-social. Na
verdade, nos últimos anos, temos sido repetidamente confrontados com
grosseiros e burlescos processos de transferência de prestações do
sector público para o sector privado e social.
Ainda
no sector da cirurgia cardiotorácica quando observamos o Norte do
País estará a ser desenhado algo de muito semelhante, embora com
outras nuances. O desmantelamento da cirurgia cardiotorácica no CHVN
Gaia/Espinho e uma eventual (ainda não anunciada) transferência da
oferta assistencial no âmbito da cirurgia cardiotorácica para o
Hospital de Sto. António poderá significar que, num futuro próximo,
esta prestação venha a cair nas mãos da Misericórdia do Porto, um
pouco na esteira do Centro de Reabilitação do Norte.
Na
verdade, o certo e seguro é ninguém minimamente responsável
aparecerá a compartilhar as convicções da ARS Norte sobre o facto
de que a reclassificação (nova hierarquização) das unidades
hospitalares públicas "não representa um impacto directo, nem
imediato, no perfil assistencial das unidades da região Norte".
E
a irresponsabilidade será a marca relevante quando se admite que o
serviço de cirurgia cardiotorácica do H S. João dispõe de
condições instaladas (técnicas e humanas) para responder com o
mínimo de prontidão à procura previsível nesta área!!!!.
Estaremos
perante um obscuro e infame processo de partilha e redistribuição
do ‘espólio prestador’ até aqui pertença do SNS e agora
objecto de um iníquo processo de distribuição a retalho.
A
portaria prevê o encerramento de algumas valências do nosso Centro
Hospitalar do Tâmega e Sousa, pela inclusão do centro hospitalar no
grupo I, onde se inserem os hospitais que servem até 500 mil
habitantes.
No cerne das nossa
preocupações está o possível desvio de utentes para os hospitais
do Porto para justificar a retirada de valências ao centro
hospitalar da região. O hospital de Penafiel foi incluído no grupo
I destinado a hospitais que sirvam até 500.000 habitantes, o que
poderá significar a perda de valências, como cirurgia
cardiovascular, urologia e obstetrícia. Onde se tem nos últimos
anos realizado um esforço de investimento que conheçava agora a dar
os seus frutos.
Contudo,
o representante dos autarcas da região afirmou já que a
classificação atribuída ao hospital “esta incorreta”, não
“refletindo a realidade da região”. Gonçalo Rocha prometeu que
esse será o argumento mais forte que levará ao Ministério da
Saúde, para além dos prejuízos e transtornos provocados nas
populações para acederem a estes serviços que ora ficam em causa.
O
presidente da CIM do Tâmega e Sousa avançou que estão a decorrer
conversações para “articular uma posição comum” da região
face a esta “matéria tão delicada”.
Alertou,
por outro lado, que, se for confirmada a perda de valências,
consumar-se-á o esvaziamento do novo Hospital de Amarante, do mesmo
centro hospitalar, no qual o Estado investiu recentemente cerca de 40
milhões de euros.
A ser cumprida esta
portaria pode significar a perda da Maternidade, que é a segunda
maior do Norte, com mais de 2.350 partos em 2013.
Gonçalo Rocha avançou,
ainda, que antes de qualquer mobilização ou medida há que
trabalhar o assunto ao nível das instituições.