sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Nosso Sistema de Saúde

Reproduzo hoje um texto que um medico escreveu e que nos faz pensar no nosso SNS:

JS, sexo masculino, raça caucasiana, de 66 anos de idade, cidadão britânico a viver em Portugal há cinco anos, nascido e anteriormente residente em Inglaterra, teve um acidente vascular cerebral. Foi atendido no local e transportado de imediato pelo INEM para o Serviço de Urgência do Hospital dos Covões, em Coimbra (agora do CHUC), hospital central de referência da sua área de residência. Deu entrada seguindo a Via Verde dos AVCs, foi observado, tratado, internado, evoluiu bem, teve alta. No estudo da circulação carótido-vertebral feito por ecodoppler foi detectada uma estenose significativa da carótida esquerda, que a angioTAC confirmou com indicação para intervenção, na sequência dum acidente vascular a que se atribuiu natureza isquémica. Por isso foi enviado à minha consulta.

Veio com a esposa, ambos simpáticos, cultos, educados, britânicamente contidos, falando em inglês entremeado ocasionalmente com algumas palavras, muito poucas, em português com um sotaque típico. Disse-lhe que precisava de ser operado, e perguntei-lhe se para isso não preferiria ir a Inglaterra. Respondeu-me, naturalmente em inglês: “Doutor, eu tive um AVC e ao fim de meia hora estava a ser tratado – tratado, veja bem – neste hospital. No meu país isso não seria possível! Por isso é aqui que quero continuar a ser tratado. É neste hospital que eu quero ser operado.”

E foi. Fez-se-lhe endarterectomia carotídea esquerda, sem intercorrências ou complicações, esteve internado quatro dias. Voltou passado um mês, em consulta de controlo pós-operatório. Sempre acompanhado pela esposa, sem sequelas evidentes de AVC, bem dispostos os dois. Exibe a cicatriz cervical, “You did a great job here” - afirma. Prescrevo o clopidogrel, conversamos, conversa rápida de consultório, o tempo (claro, ou não fosse ele inglês!), a política europeia, a crise, o euro. Levantamo-nos, depois de me despedir da esposa estendo-lhe a mão. Aperta-ma com a sua e diz, com alguma tremura no porte fleumaticamente britânico: “You know, if I lived in my country I would be dead now. Portugal saved my life. Obrigado.”

Podem crer que no momento fiquei emocionado. Disfarcei o melhor que pude, acompanhei-os à porta do gabinete. É destes momentos – pessoais, como este, ou apenas conhecidos através de outros - que se constrói o enorme prazer de ter a nossa profissão. Basta o sentimento íntimo de ter feito um bom trabalho, e que acabou bem, frequentemente reconhecido por colegas e, às vezes, se calhar não muitas, pelos doentes. Mas este caso teve um sabor muito especial, porque foi a opinião de um paciente estrangeiro esclarecido, que não fala por ouvir dizer, com possibilidade de estabelecer comparações e de escolher, e que deu fortemente preferência ao nosso Serviço Nacional de Saúde e aos nossos hospitais.

Um SNS sob ataque de há vários anos para cá, em processo de descaracterização, de restruturação que parece uma desestruturação, de redução, e eliminação. Um SNS que trabalhava bem. Aquele doente inglês, ao pôr frontalmente em causa o National Health Service, fala obviamente do NHS de agora, depois da governação da Mrs. Thatcher. Depois das reestruturações  descaracterizações, fusões e eliminações que sofreu, muito na senda do que tem vindo a ser feito por cá. Não do NHS que serviu de exemplo ao Mundo, e até deu o nome ao nosso. É claro que o nome manteve-se, o serviço também, mas não são nada do que eram, e os doentes sabem disso. Continua a haver grandes médicos e óptimas instituições médicas na Grã-Bretanha, mas já não são o NHS que costumava ser. E todo o esquema de assistência se ressentiu disso, agora que nos Serviços médicos dos hospitais públicos por lá há pessoal administrativo que toma parte em decisões que deveriam ser puramente clínicas. A minha emoção ao ouvir o desabafo do paciente inglês tratado em Portugal, deveu-se também à pena de termos entre nós algo de bom durante tanto tempo e os nossos doentes tantas vezes não o apreciarem devidamente, e estarmos se calhar a resvalar no sentido de a perder.

Mudar por mudar, não. Em equipa que ganha não se mexe, diz o povo e o bom senso. Em momentos de crise há frequentemente a fraqueza, por parte dos dirigentes menos esclarecidos, de mudar para ver o que é que dá, sem o discernimento de atender ao que está bem e assim o manter. É claro que mais tarde ou mais cedo virá a exigência de responsabilidades, e a exposição pública do mal que foi feito e de quem o fez, mas em geral tarde demais para o corrigir. E Portugal não pode dar-se ao luxo de deixar destruir o pouco que dentro de si funciona bem. 
 
A Saúde é um exemplo disso, e um exemplo para o estrangeiro, e matéria em que não se deve querer copiar o que vem de fora.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Bruxelas diz que cortes na saúde podem elevar custos até 16%

Comissão Europeia alerta que os cortes no sector da saúde podem vir a aumentar a despesa no médio e longo prazo. 

Diz o povo que o barato sai caro. Segundo a Comissão Europeia, existe o risco desta expressão popular se estar a verificar nos países mais afectados pela crise e que estão a fazer uma forte redução de custos no sector da saúde, que consome uma fatia importante da despesa pública. Um relatório, divulgado ontem pelo executivo comunitário, aponta um total de despesa adicional na ordem dos "13% a 16% em custos hospitalares" - um euro em cada sete gastos - como resultado de complicações provocadas no hospital e má assistência médica em geral.

A ideia patente no relatório é de que o desinvestimento em prevenção, o corte de custos nos cuidados de saúde primários e o racionamento de meios de diagnóstico e terapêutica podem poupar dinheiro no curto prazo mas acabarão por elevar a despesa no médio e longo prazo. Isto porque os doentes acabam por regressar aos hospitais - o que já por si tem custos mais elevados que os centros de saúde - em estados mais avançados da doença e onde, muitas vezes, acabam por contrair outras patologias. Despesa desnecessária, que pode ser evitada, e que se relaciona directamente com cortes pouco inteligentes.

"A redução de recursos não devia comprometer a segurança do doente e a qualidade do atendimento, não só para o bem do doente, mas também porque as evidências mostram que os cuidados de saúde associados a danos [maiores] têm custos adicionais", explica o relatório sobre "Segurança do paciente". Além desse acréscimo de despesa, "os custos de tratamento pelo desdobramentos desses eventos médicos - que não estão incluídos nos custos hospitalares - têm de ser tidos em conta para se ter um quadro completo", acrescenta Bruxelas. 
 
Esta é uma realidade muito própria dos países mais afectados pela crise e que têm sido pressionados pelas instâncias internacionais, entre as quais a CE, a reduzir custos na saúde.

Sustentabilidade & Gestão

A sustentabilidade da saúde numa perspectiva de gestão:

Primeiro a afirmação fundamentada com elementos da OCDE que o sistema português é um bom sistema que pode ser excelente através de «adaptação inteligente» e «cortes cirúrgicos». Aquela por medidas conjugadas em três níveis, estes definidos por estudos e análise técnica, seja no âmbito da rede de hospitais e de urgências, ou nos serviços e instituições, pela gestão envolvendo os profissionais de saúde. Uns e outros com a finalidade de obter mais qualidade e eficiência.

Segundo, a necessidade de focalizar na gestão da doença crónica, de garantir equidade, assim como estabilidade do financiamento e da oferta da Saúde.

Terceiro, o SNS ter uma estratégia e um rosto - «gestor do SNS» -, para maior coordenação entre prestadores de cuidados, melhor performance das instituições e prestação de contas da sua gestão. Outras mudanças no financiamento, para facilitar a «redução do hospitalocentrismo» e o desenvolvimento dos cuidados primários e «de proximidade», e um sistema de objectivos comuns aos hospitais, basicamente nas variáveis de qualidade e eficiência. Este sistema permitiria detectar as melhores práticas e apoiar os hospitais no projeto de mudança a efetuar obrigatoriamente – uns abrangeriam essencialmente melhoria contínua de qualidade, outros a redução de desperdício, os restantes ou se transformariam ou «sairiam».

Quarto, a evidência que há muito desperdício na saúde, nos serviços e nos hospitais, em todos os países e em Portugal, que há que reduzir para benefício da sociedade. O que se consegue com gestão mais apurada, participada e responsabilizada em contratos de gestão escritos e avaliação dos Conselho de Administração; dos diretores e chefes dos serviços depois.

Quinto, que é desperdício usar recursos para além do estritamente necessário, ineficiência, mas é-o tanto mais a falta de qualidade, como erros clínicos e de medicação, já que provocam mortes e problemas de saúde, insuportáveis num sistema que se quer excelente, e ainda gastos desnecessários em internamentos, urgências e medicamentos.

É dever da gestão acabar com o desperdício. Assim teremos processos normalizados e enxutos, maior qualidade e menor gasto.

Sustentabilidade & Gestão

A sustentabilidade da saúde numa perspectiva de gestão:

Primeiro a afirmação fundamentada com elementos da OCDE que o sistema português é um bom sistema que pode ser excelente através de «adaptação inteligente» e «cortes cirúrgicos». Aquela por medidas conjugadas em três níveis, estes definidos por estudos e análise técnica, seja no âmbito da rede de hospitais e de urgências, ou nos serviços e instituições, pela gestão envolvendo os profissionais de saúde. Uns e outros com a finalidade de obter mais qualidade e eficiência.

Segundo, a necessidade de focalizar na gestão da doença crónica, de garantir equidade, assim como estabilidade do financiamento e da oferta da Saúde.

Terceiro, o SNS ter uma estratégia e um rosto - «gestor do SNS» -, para maior coordenação entre prestadores de cuidados, melhor performance das instituições e prestação de contas da sua gestão. Outras mudanças no financiamento, para facilitar a «redução do hospitalocentrismo» e o desenvolvimento dos cuidados primários e «de proximidade», e um sistema de objectivos comuns aos hospitais, basicamente nas variáveis de qualidade e eficiência. Este sistema permitiria detectar as melhores práticas e apoiar os hospitais no projeto de mudança a efetuar obrigatoriamente – uns abrangeriam essencialmente melhoria contínua de qualidade, outros a redução de desperdício, os restantes ou se transformariam ou «sairiam».

Quarto, a evidência que há muito desperdício na saúde, nos serviços e nos hospitais, em todos os países e em Portugal, que há que reduzir para benefício da sociedade. O que se consegue com gestão mais apurada, participada e responsabilizada em contratos de gestão escritos e avaliação dos Conselho de Administração; dos diretores e chefes dos serviços depois.

Quinto, que é desperdício usar recursos para além do estritamente necessário, ineficiência, mas é-o tanto mais a falta de qualidade, como erros clínicos e de medicação, já que provocam mortes e problemas de saúde, insuportáveis num sistema que se quer excelente, e ainda gastos desnecessários em internamentos, urgências e medicamentos.

É dever da gestão acabar com o desperdício. Assim teremos processos normalizados e enxutos, maior qualidade e menor gasto.