Os progressos verificados ao longo dos anos na Imagiologia sempre estiveram intimamente ligados ou potenciaram o desenvolvimento ocorrido noutras áreas da medicina. Esse facto foi determinante para a melhoria do conhecimento das patologias do ser humano. Basta pensar na mudança espectacular da prática médica operada através da divulgação da radiografia simples, sem a qual não teria sido possível caracterizar as diversas situações patológicas que atingem o esqueleto, das mais complexas até às mais simples, como por são as do foro traumático e assim estabelecer as bases correctas do seu tratamento.
Ainda no que diz respeito à cooperação da Imagiologia com outras especialidades para além da referência feita à radiologia simples, pode-se considerar que, até ao presente, existiram mais outros dois momentos igualmente cruciais nesta cooperação, coincidentes com a invenção e rápida difusão da Ecografia, TAC e RM. Apesar destes constituírem os marcos fundamentais, a evolução tecnológica da imagem aplicada ao corpo humano tem-se mantido em constante desenvolvimento facilitando-nos múltiplos processos de estudo das patologias que, ultrapassando os aspectos puramente morfológicos, já nos fornecem dados de ordem fisiopatológica cujo interesse é evidente.
Se os referidos avanços técnicos da Imagiologia trouxeram e continuam a trazer, vantagens indiscutíveis podem, quando não devidamente utilizados, suscitar alguns inconvenientes que convém mencionar e dos quais nos devemos precaver. Estes inconvenientes resultam de não se respeitarem as regras de actuação inerentes, impostas pelas limitações e potencialidades que lhes são características.
Assim, o aperfeiçoamento das Técnicas de Imagiologia aliada à sua facilidade de execução, tornando-as cada vez menos invasivas, tem produzido imagens de grande fidelidade e definição cuja novidade tem levado à sua entusiástica, difundida e, por vezes, indiscriminada obtenção. Como além disso, os médicos especialistas que manipulam estas técnicas raramente têm a oportunidade ou possibilidade de fazer uma exploração clínica completa dos respectivos doentes, e não recebem, na maioria das vezes, qualquer espécie de indicação útil sobre as dúvidas que se pretendem ver esclarecidas naquele caso concreto, acabam por se circunscrever à analise e interpretação pura da imagem nos relatórios escritos do exame efectuado.
Desta forma se vai acumulando uma quantidade de informação, aliás dispendiosa, cuja utilidade prática pode, nalguns casos, ser duvidosa e enganadora exigindo uma avaliação crítica do seu real significado patológico, avaliação essa que só é possível fazer conjugada com os respectivos dados clínicos.
Por outro lado, por exemplo a Ortopedia, que possuí como característica intrínseca da dinâmica do seu raciocínio clínico, a aproximação imediata ao diagnóstico baseada fundamentalmente na história e observação cuidadas, com preferência pela Imagiologia como auxiliar de inestimável valor na referida dinâmica, ao ser-lhe fornecida neste campo uma informação de alta qualidade técnica, corre o risco, como tantas vezes acontece de desprezar a sua metodologia tradicional e fixar-se também na imagem, sem ponderar convenientemente a sua correlação clínica. A consequência inevitável será estabelecer uma orientação terapêutica desajustada, com grande probabilidade de vir a ser ineficaz, senão prejudicial, para o doente.
Estas considerações demonstram a relevância e necessidades dos dados clínicos para uma correcta interpretação das diferentes modalidades de imagem das estruturas osteoarticulares.
Numa época e cultura propensa ao imediatismo das sensações produzidas em detrimento da percepção especulativa, a Imagiologia possui todos os atributos que a tornam susceptível, quando mal aplicada e utilizada, de exercer uma influência dominadora excessiva na orientação clínica de grande parte das situações, com os incovenientes já assinalados. Por isso nunca será demais repetir que a imagem deve estar subordinada e tem de ser analisada de acordo com o quadro clínico presente e não o inverso.
Isto exige da parte do clínico um conhecimento correcto das possibilidades da Imagiologia que, ao serem potenciadas pelos dados clínicos, obrigam-no a partilha-los com os colegas que manipulam essas técnicas, o que supõe manter com eles um constante diálogo. Só desta forma será possível pedir e executar os exames mais adequados à situação patológica que se pretende estudar, evitando atrasos condenáveis no diagnóstico e respectiva terapêutica a instituir, para além das desnecessárias perdas de tempo e de gastos excessivos que doutra forma se infligem aos doentes e às instituições onde são assistidos.
Um exemplo clássico de uma actuação errônea nesta matéria retirado da prática clínica diária, é-nos dado pelo doente na sua primeira crise de lombalgia pura, cujo único exame complementar de diagnóstico que lhe mandaram fazer é um TAC da coluna lombar. Esta situação não é infrequente e levanta de imediato a suspeita de que o doente não foi provavelmente, observado (para já não falar daqueles doentes que são os primeiros a exigirem o TAC sem o qual se sentem defraldados e mal atendidos). Mal ele se sentou frente ao médico e referiu a sua dor lombar é-lhe entregue o respectivo pedido do exame cujo prestígio, como elemento decisivo do diagnóstico, admite sem reservas, por se encontrar larga e erroneamente difundido na generalidade do público. Se reparar-mos, conforme está descrito, que cerca de 20% das alterações detectadas neste tipo de exame são de significado patológico duvidoso ou não têm correspondência clínica, que a lombalgia sendo um sintoma mais frequente tem múltiplas causas e um componente funcional muito importante impossível de detectar por este meio, fica bem ilustrado o somatório de erros que se podem acumular quando, para o diagnóstico de uma simples lombalgia, nos baseamos apenas no referido exame.
Um outro cenário paralelo e também frequente é o daquele doente que ocorre à consulta visivelmente ansioso porque nas múltiplas radiografias do esqueleto, devido a umas vagas queixas dolorosas poliarticulares, os respectivos relatórios (por eles lidos atentamente) enumeram minuciosamente uma série de anomalias. Nestas tenta desesperadamente encaixar as suas queixas e por vezes até inventa, inconscientemente, outras que satisfaçam essa pretensão, subvertendo o seu relato de sintomatologia que deve ser cuidadosamente analisado e desmontado pelo especialista, a fim de evitar enganos grosseiros de diagnóstico. Aqui o problema reside no definir o que se entende como padrões de anormalidade de determinadas situações, de modo a não tomar por patológicas imagens que correspondem por exemplo ao envelhecimento natural das estruturas esqueléticas. Isto revela mais uma vez a importância da análise das imagens com base na história e a observação clínica dos respectivos doentes.
Muitos outros exemplos poderíamos ainda dar de situações idênticas cuja conclusão a tirar, é que não será possível do ponto de vista patológico, fazer uma interpretação dessas imagens considerada correcta fora do contexto clínico das mesmas ou construir uma hipótese de diagnóstico com base exclusivamente nos respectivos dados imagiológicos.
As considerações feitas revelam a necessidade imperiosa do diálogo clínico-imagiológico sem o qual não será possível estabelecer o diagnóstico exacto e instituir a terapêutica adequada.
in Tribuna Pacence a 07.05.2010