quarta-feira, 23 de maio de 2012

O que aí vem…

Numa «aula aberta» que deu no ISCSP, Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto da Saúde, falou da reforma do sector da Saúde, que mesmo cumprida à risca pode não garantir a sustentabilidade do SNS. A isso não será alheia a decisão de criar uma «carteira de serviços», com redefinição, ao que tudo indica, de exclusões e/ou adições.

Mesmo que as reformas em curso e planeadas sejam cumpridas, «com este modelo de financiamento» e devido às «características de generalidade de que se reveste, provavelmente o Serviço Nacional de Saúde [SNS] não será sustentável». A afirmação é do secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, na linha, aliás, do que tem dito o titular da pasta, Paulo Macedo. Só que desta vez o substrato destes avisos foi mais bem detalhado.

Na «aula aberta» que foi convidado a leccionar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa, no passado dia 15, o secretário de Estado justificou esta «verdade objectiva» da insustentabilidade do SNS com o actual padrão financiador, garantindo que «quem disser o contrário não sabe o que anda a dizer». E aqui surge o «plano de prestações garantidas», expressão contida no item «Saúde» do Programa do XIX Governo Constitucional — sujeita «a todas as especulações», como escreveu em Junho do ano passado Pedro Pita Barros —, e que, como clarificou agora Leal da Costa, tem a ver «exactamente com esta matéria [modelo de financiamento]», sem colocar «em causa o princípio constitucional de haver um SNS geral, universal e tendencialmente gratuito», mas «tendo em conta», ressalvou, «as condições socioeconómicas das pessoas».

Respeitando o guião programático do Governo, «temos de garantir que tudo aquilo que é absolutamente indispensável não deixa de ser prestado às pessoas», prosseguiu Leal da Costa, para depois lembrar que «neste momento o SNS já não é geral», porque, por exemplo, os cuidados dentários «não são de um modo geral prestados de forma universal e tendencialmente gratuita pelos serviços públicos — e se calhar há exclusões bem mais justificadas do que esta».

Esta alusão permite antever o traçado da linha das prestações garantidas, cujo plano estará a ser pensado, tudo leva a crer, embora sem confirmação, em conjunto com «a definição de uma carteira de serviços», que segundo o secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde é «expressamente referida», e «não por acaso», no Programa do Governo.

Leal da Costa apontou a transposição da directiva comunitária de cuidados transfronteiriços como uma das razões — não a única — para a criação desse pacote de serviços, processo que disse estar já em curso. Como sublinhou, «temos de definir um preço para a carteira porque, se não o fizermos, isso levanta problemas que se prendem com o recurso a outras instituições que não do SNS», mesmo «dentro do território nacional». Além disso, acrescentou, «porque somos dos países mais generalistas em termos de prestação de cuidados, um qualquer cidadão português se for tratar-se a outro país» da União Europeia «tem direito à mesma carteira de serviços que teria em Portugal». Ora, concluiu, «se somos mais generalistas que os outros países, estamos sempre a perder». Daí que não seja difícil adivinhar que o até aqui enigmático «plano de prestações garantidas» assuma o formato de uma carteira em que algumas exclusões e, quiçá, adições vão ter guarida, na certeza de que, como garantiu o governante, «não estamos dispostos a abdicar do SNS, porque precisamos dele».

O plano de prestações garantidas a servir de instrumento de racionamento às prestações de saúde do serviço público.

Preparemo-nos para os hospitais públicos com gestão contratualizada à iniciativa privada ou social, com imposição de uma Carteira de Serviços a prestar às populações, associados a níveis de despesa acordados, (número de consultas, por especialidade, por ano, número de cirurgias) e exclusões de serviços à medida dos orçamentos achados convenientes pelo MS.

Isso pode funcionar nos Hospitais da Misericórdias, que em situações fora do normal, encaminham de imediato os utentes em estado critico para os unidades publicas. Mas os hospitais públicos são o fim da linha. Se eles tem serviços contratualizados tipo pacote fechado alguém vai ficar de fora... Quem?... Os do costume...

domingo, 13 de maio de 2012

Despesa da Saúde

Num contexto de crescimento económico, mesmo mantendo a reduzida percentagem do PIB que é destinada à despesa pública de saúde, o financiamento do SNS por via do Orçamento do Estado seria mais que suficiente. Mas, mesmo no ponto em que se encontram quer a economia quer as contas públicas, não há necessidade de sobrecarregar os cidadãos se o OE afectar mais verbas à saúde e se forem eliminadas despesas supérfluas (PPP, sub-sistemas, outsourcing, falsa inovação, ). Financiamento em função da despesa, contratualização da produção, gestão rigorosa e eliminação da transferência de fundos públicos para os prestadores privados são medidas capazes de garantir nesta conjuntura o equilíbrio das contas do SNS.


Existe em Portugal, liberdade de escolha, mas apenas para quem tem dinheiro para poder escolher. A liberdade de escolha é uma armadilha. Em abono da verdade, o que motiva o governo não é dar possibilidade de escolha às pessoas mas, sim, conseguir que o Estado pague essa opção, isto é, a pessoa escolhe um médico ou um hospital privado e o Estado paga. Paga o Estado e pagamos todos nós. Este sistema, a impor-se em Portugal, seria um seguro de vida para o sector privado e a ruína financeira do SNS. Portugal não dispõe de recursos financeiros suficientes para alimentar dois sistemas em paralelo: um privado e outro público, ambos financiados pelo Estado. Num prazo muito curto, o SNS seria residual e assistencialista. A aplicaçao das medidas do memorando trikiano conduzem a um SNS fortemente amputado, de difícil acesso, cuja qualidade está em perda. Vamos assistir ao aumento das listas de espera e à sobrelotação das urgências. Nos centros de saúde a falta de médicos vai continuar a sentir-se, apesar dos truques de magia para criar a ilusão de que se está a dar médico de família a todos. A revisão do regime de comparticipação vai tornar os medicamentos mais caros. As mudanças decididas em certas áreas de excelência – Maternidade Alfredo da Costa, Centro de Genética, IDT – traduzem-se no seu desmantelamento. A promiscuidade entre interesses públicos e privados, que tanto tem prejudicado o SNS, vai aprofundar-se.

O SNS, apesar dos mau tratos a que tem sido sujeito, é uma história de sucesso, dispondo hoje de uma excelente e articulada rede de serviços e dos mais modernos equipamentos e tecnologias. O SNS avançou na última década, tal como na anterior: na acessibilidade, proximidade, qualidade, diferenciação e excelência. Mas, também, na humanização e no respeito pelos direitos dos doentes. O SNS melhorou e podia ter melhorado ainda mais se as políticas prosseguidas tivessem eliminado alguns dos seus maiores "pecados": a promiscuidade entre público e privado, a partidarização dos cargos dirigentes, o desrespeito pelas carreiras e a desregulação das relações de trabalho provocada pela empresarialização dos hospitais.

Veja-se o caso das isençoes: dos pedidos de isenção por insuficiência económica enviados este ano, um terço foi rejeitado pelo fisco. Mesmo assim, o ministério diz que o número de pessoas isentas aumentou em 580 mil face a 2011!!!!


O MS anda a fazer propaganda à custa do que é mais sagrado na nossa democracia: O direito de acesso universal e igual para todos os cidadãos portugueses aos cuidados de saúde.