A falta de médicos e em especial dos clínicos de medicina geral e familiar condicionará, segundo o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde Dr. Manuel Pizarro, a reforma dos Cuidados de Saúde Primários, vulgo Centros de Saúde. Mas ainda segundo Manuel Pizarro, em 2011, não sabemos bem como, acelerar-se-á!
Com uma dívida de 500 milhões de euros ás costas e com um corte de 12% no orçamento global do Ministério da Saúde, que se cifrará acima da módica quantia de 1000 milhões de euros, continuaremos a acreditar nas palavras da Srª. Ministra da Saúde? Que seremos capazes de “fazer uma gestão diferente que permita levar a uma redução dos custos em determinadas áreas, sem pôr em causa a qualidade e os tratamentos...” ?? E até agora?
Os responsáveis dos vários hospitais e departamentos do ministério da saúde estiveram a atirar euros pela janela, cerca de 1000 milhões de euros por ano?? Sejamos claros e honestos, onde serão realizados os cortes? Que áreas serão sacrificadas? Que tratamentos ficarão por realizar? Quem ficará por ser tratado? Quais as prioridades? E quem assumira esse ónus?
2011 será sem dúvida um ano de viragem. Opções terão de ser feitas. Muitos especialistas consideram que não será possível continuar a oferecer tudo a todos e que os cidadãos terão que vir a pagar mais pela saúde, de forma a manter o Serviço Nacional de Saúde.
A inovação deverá, no actual contexto, ser a primeira vítima dos projectados cortes orçamentais. Nada existe mais dependente do investimento que a inovação (seja terapêutica ou em equipamentos). Só que o adiamento de investimentos em inovação tem profundos reflexos na qualidade das prestações. Reflexos esses que, em primeiro lugar, desmotivarão os profissionais e, depois, terão dramáticas consequências no que diz respeito a resultados. Estes constrangimentos na prestação de cuidados não poderão ser ocultados aos utentes por muito tempo.
O modelo de organização implementado nas USF continua a dar os seus frutos, pela via da contratualização, avaliação e atribuição de incentivos. Dada a falta de médicos de família, porque não atribuir algumas competências “preventivas” aos Enfermeiros. O estímulo que isto representaria, e a poupança em hora de trabalho médico, libertando-os para outras actividades. De que adianta saber mais sem tempo para o fazer. Milhares de enfermeiros saem de Portugal para outros países para exercerem a sua profissão, porque cá não têm essa oportunidade.
De acordo com o Health at a Glance – Europe 2010, o número médio de enfermeiros por mil habitantes nos países da União Europeia (UE) era, em 2008, de 9.8, sendo que em Portugal esse valor se situava em 5.7. Por outro lado, o rácio de enfermeiro por médico – que na UE se situa nos 2.6 enfermeiros por cada clínico, em Portugal é de 1.5, o sexto mais baixo dos países considerados pela OCDE.
No mesmo relatório é referido que o número de médicos em Portugal está acima da média da União Europeia (3.7 por mil habitantes contra a média de 3.3) e que devido ao tipo de cuidados prestados, o número de enfermeiros deve exceder, consideravelmente, o número de médicos. Todavia, em Portugal não existem sequer dois enfermeiros por cada clínico.
Falar de carência de médicos e não falar de carência de enfermeiros, acrescida da não rentabilização dos recursos disponíveis, é um efectivo sinal de desperdício. Um estudo recentemente formulado pela Ordem dos Enfermeiros junto de jovens que concluíram a sua licenciatura em 2007, 2008 e 2009 revela que:
- Em Junho de 2010, 19% desses enfermeiros não estavam a exercer a actividade; Esta percentagem sobe para 29% se consideramos apenas os enfermeiros formados em 2009.
- Houve um aumento considerável do hiato temporal que separa o final da formação académica da primeira experiência profissional: de três para seis meses. Num estudo idêntico realizado em 2009, 57% tinham conseguido emprego ao fim de 3 meses. Em 2010 foram 43%. Entre 6 meses e um ano, a percentagem passou de 14% para 24%.
- A emigração de enfermeiros praticamente triplicou desde o estudo anterior (5% para 13%).
Tudo isto é algo que tem vindo a ser comprovado através de relatórios formulados por organismos, dos quais se destaca a publicação da OCDE acima referida, mas também o estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) sobre Sustentabilidade e Competitividade na Saúde em Portugal.
Porque não promover mecanismos de educação para a saúde, de modo a diminuir falsas urgências nos nosso hospitais? Quantos episódios de urgência não o são no SU diariamente? Ou então, porque não aplicar uma taxa de não urgência, se no final da consulta o clínico concluir que a situação não é urgente, paga um acréscimo ou percentagem da consulta. Outra hipótese passa por uma triagem dos doentes de modo a que, o que é urgente é atendido, o restante, é priorizado e marcada uma consulta, seja de médico de família seja de especialidade, em tempo considerado útil. As taxas moderadoras aumentam, já no dia 1 de Janeiro, e em caso de não pagamento é aplicada multa que chegará aos 100€. Mas muitas outras hipóteses poderão ser equacionadas se assim entenderem os responsáveis.
Num contexto de contenção de custos e de tentação de «cortes cegos», é imprescindível construir plataformas de consensos a partir dos dados disponíveis. Essas plataformas de consensos devem ser o suporte de pactos sociais e políticos que sustentem um serviço de saúde onde nenhum cidadão seja excluído dos cuidados a que tem direito.
Quando se procede a escolhas no campo social o primeiro denominador a considerar é preservar a coesão nacional. Se não tomarmos em consideração este denominador pagaremos no futuro, com custos acrescidos, as leviandades do presente…
Conseguiremos superar esta fase? Quero crer que sim.
YES, WE CAN ! E o Orçamento o permita...
BOM ANO DE 2011
in Tribuna Pacense a 31.12.2010