O
Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) publicou um
relatório sobre a evolução dos cuidados de saúde e a análise da
governação no último ano. A coordenadora, Ana Escoval, deixa o
alerta: a
crise está a deixar os portugueses mais doentes e com menos
cuidados. E quem não tem dinheiro tem menos acesso à Saúde.
O ministro faltou à apresentação do documento, não ouviu o aviso,
mas já prometeu estudar o assunto.
Ex-coordenador
do Observatório do Sistema de Saúde lamenta "autosuficiência
do governo". Faz
um ano que o Observatório Português dos Sistemas de Saúde avisou
que a austeridade estava a fazer mal à saúde e que havia sinais de
racionamento implícito no SNS, não por ordem da tutela mas por
pressões financeiras que não permitiam manter as boas práticas.
Constantino Sakellarides dirigiu o projecto até ao ano passado e
saiu para dar vez a outras lideranças. Mas acredita que há um
alerta por escutar: um governo não pode ser alérgico a críticas e
negá-las sem contraditório. Deixo aqui a transcrição possível da
entrevista dada ao jornal i.
“ Continua
a haver racionamento implícito no SNS?
A
queixa no ano passado era haver indícios e as autoridades não os
investigarem. Este ano presumo que o relatório possa repetir a
crítica, o natural é que persistam esses sinais: estão subjacente
à lógica de pressão financeira. O essencial é que não parece ter
havido investigação. Não existe um relatório a reconhecer as
queixas e a dizer que umas são verdade e outras não.
O
que impede essa investigação?
Os
poderes não estão habituados ao contraditório. Geralmente as
criticas vêm da oposição, o que faz com que confrontados com
reparos fundamentados usem a resposta política de que os outros
estão contra ou a dizer mal. Contribui também para isso uma certa
inércia das forças políticas. A crítica da oposição politica
por exemplo em relação a saúde é um deserto.
O
título do relatório do ano passado era "Um país em
sofrimento". Acha que contaminou a leitura da tutela?
O
Secretário de Estado não gostou nada mas o título corresponde à
realidade. Só quem anda noutro mundo é que não compreende que um
país com 18% de desempregados, sucessiva austeridade, aumentos de
impostos, jovens a sair em carruagem, está em sofrimento. Os sinais
de sofrimento social são intensíssimos.
Mas
o relatório era sobre saúde.
As
ameaças de saúde vêm do sofrimento social. Desemprego e o
empobrecimento são determinantes de saúde e do acesso.
Ficou
desiludido com o seguimento dado ao relatório?
O
que me confrange é o esforço e o cuidado que tivemos em classificar
o que encontrámos, evitando críticas infundadas. Dizemos que há
coisas a acontecer e, noutros casos, que há indícios. O relatório
merecia ter sido colocado em cima da mesa pelo governo, que até nos
poderia ter chamado. O governo tem de estar aberto a visões
externas.
Este
governo é menos aberto?
Não
noto muitas diferenças, há é um contexto nacional e europeu
bloqueado que faz com que os traços de auto-suficiência
se acentuem. Existe uma história oficial que anda à volta das
dificuldades dos programas de ajustamento, que vê os seus méritos e
tem dificuldade em aceitar os fracassos. Esta história vem-se
afastando cada vez mais do que as pessoas sentem, da história real.
Como
vê a postura de Paulo Macedo?
É,
como dizem as sondagens, o melhor ministro do governo. É inteligente
e bom gestor, mas gostaria que estas qualidades se transmitissem ao
governo e que
o ministério da Saúde não importasse as coisas más do governo,
auto-suficiência, e reacções epidérmicas a críticas.
Vê
margem para uma atitude diferente?
Esta
postura de negação tem sido do conjunto do governo e nenhum
ministro pode sair dessa sombra. Percebo que o ministro tenha
dificuldades mas devia fazê-lo. Só assumindo que austeridade tem
efeitos negativos é que melhoramos.
Está
mais preocupado?
Julgo
que pouco se alterou. Mas há aspectos positivos. Já no ano passado
o relatório destacava avanços na área do medicamento,
racionalização de recursos, redução de dívida. O que nenhum
governo pode presumir é que é tão bom que só faz as coisas bem e
nem estar disponível para ouvir críticas. Foi isso que aconteceu no
ano passado.
O
SNS está pior nestes dois anos de troika?
O
problema não são os cortes que o SNS sofreu nos últimos anos, mas
terem sido abruptos. Uma coisa era cortar-se com calma para dar tempo
a reorganização. Cortar como se cortou deixa marcas e é preciso
avaliá-las e defender o SNS de mais cortes. O ministro protegeu o
orçamento deste ano, é verdade, mas o aumento das taxas não
protege o acesso. Não há preto e branco, como o governo e oposição
gostam de descrever as coisas. Há coisas boas e más e pessoas
razoáveis têm de o admitir.”
O
ministro Paulo Macedo acusou o toque e ripostou que “…temos de
fazer um estudo mais alargado sobre o impacto da crise e vamos
fazê-lo", afirmou.
Aí
temos a velada ameaça de ‘reescrever’ a história. Ou a de
‘inculcar’ a história dos anos de crise do SNS com as demagogias
neoliberais sobre sustentáveis ‘ajustamentos’. Será mais um
estudo de “encomenda” sr. Ministro?